Uma reportagem da revista IstoÉ denuncia que representantes das maiores distribuidoras de combustíveis do Brasil se reuniram nos dias 27 e 28 de abril em Brasília para pôr de pé um plano para dizimar a concorrência no bilionário mercado de distribuição de combustíveis.
Os alvos são pequenas distribuidoras, incluindo uma fabricante de etanol, do Norte Fluminense, que vem sendo alvo de investidas no âmbito judicial e da secretaria de Estado de Fazenda, além de pistolagem editorial em sites e veículos de comunicação financiados pelo cartel.
De acordo com a IstoÉ, “a estratégia contra as pequenas concorrentes foi detalhada a uma plateia selecionada, formada por autoridades públicas e parlamentares da base aliada do governo de Jair Bolsonaro”.
Uma das testemunhas do encontro citadas pela publicação e que pediu para não ter sua identidade revelada, afirmou que as gigantes do setor contrataram escritórios de advocacia e empresas particulares de espionagem para escrutinar todo e qualquer ato de três concorrentes menores do eixo Rio-São Paulo.
Os três alvos, portanto, são as produtoras de combustíveis Copape, Refit e a usina de etanol Nova Canabrava, localizada em Campos dos Goytacazes, Norte do Estado do Rio.
O jogo financeiro do cartel descrito pela reportagem é pesado, contando com braço parlamentar na Alerj, além de se gabar de exercer influência sobre alguns órgãos de controle externo com o objetivo de tirar as pequenas concorrentes do mercado.
Na Alerj, um parlamentar notoriamente ligado ao cartel de combustíveis é o deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (Cidadania), que no passado teve entre seus financiadores de campanha o Sindicom, sindicato do setor, que atualmente virou Instituto Combustível Legal (ICL).
A IstoÉ destaca que do trabalho da “milícia” privada sairiam informações que as grandes distribuidoras repassariam para as procuradorias estaduais da Fazenda.
O intuito é que as procuradorias promovam uma caçada implacável aos três alvos que, juntos, não concentram nem 2% de participação no mercado de refino.
Recentemente, às vésperas de uma safra sucroalcooleira de 2022, a Secretaria de Estado de Fazenda do Rio chegou a suspender a inscrição estadual da Nova Canabrava, medida revogada por decisão da 11ª Vara de Fazenda Pública do Ri, o que permitiu que a indústria continuasse produzindo etanol.
O trabalho das grandes distribuidoras de combustíveis é coordenado pelo ICL, que nada mais é do que uma versão repaginada do sindicato que as representa há décadas, o Sindicom.
Amigo de Moro
O atual presidente da entidade é o general Guilherme Theóphilo, que foi braço-direto do ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Em que pese o distanciamento entre o ex-juiz e Bolsonaro, o aliado de Moro exerce forte influência no governo quando o assunto é combustível e sua missão é preservar os interesses das gigantes.
A investida contra os pequenos do setor é grave, mas não inédita, tendo vários precedentes históricos. Antes mesmo do surgimento da Petrobras em 1941, as grandes empresas já se juntavam para esmagar qualquer pequeno produtor que tentasse desafiá-las. “Certamente foi um dos mais lobbies mais poderosos do século passado”, relembra um especialista do setor.
Acusações frequentes
Atualmente, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) dita as regras para a distribuição de combustíveis no Brasil. Até 1996, quando o mercado ainda era fechado, o Sindicom atuava simplesmente para mantê-lo funcionando da mesma forma.
A partir de 1997, com a abertura e o surgimento de novas distribuidoras e de uma competição até então desconhecida, o sindicato começou a ser um meio de perseguição aos concorrentes.
Sob o manto de defensores do mercado legal, acusavam as empresas que entravam no negócio de sonegação e adulteração de combustíveis, mas surpreendentemente tinham associadas que cometiam os mesmos crimes e haviam sido flagradas com grandes estoques de gasolina adulterada.
Financiamento da infâmia
Em 2019, amparado em denúncias de cartelização, mau uso do dinheiro público e falta de transparência, o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu uma investigação sobre o repasse de R$ 158 milhões da BR Distribuidora para o Sindicom, a partir de 2006. Depois desses fatos, o Sindicom mudou seu nome para Plural e, posteriormente, para Instituto Combustível Legal.
O que se investigou no processo do TCU foi a suspeita de que o Sindicom utiizava dinheiro público para perseguir e difamar seus concorrentes.
Em apenas uma década, foram mais de R$ 200 milhões em despesas com contratações de escritórios de advocacia, assessorias de imprensa, empresas de espionagem e com pagamentos de salários astronômicos para seus executivos.
Sabe-se que a conta era dividida com base na participação de mercado de cada uma das 12 associadas que a entidade tinha na época.
Senhores do crime?
A empresa que detém a maior fatia do mercado nacional é a BR Distribuidora, atualmente chamada Vibra, com quase 40% de participação. Até três anos atrás, ela era uma empresa estatal, que teria pago, portanto, R$ 80 milhões do total da fatura em serviços de lobby e contra-informação sem ter prestado conta de um centavo da utilização desses recursos.
O mercado de distribuição é dominado pela BR, Shell (Raízen) e Ipiranga (Ultrapar), que somam, juntas, 62,1% das vendas de gasolina e 69,8% das de diesel. O restante é das empresas de bandeira branca.
Ouvido pela reportagem de IstoÉ, o advogado Ricardo Magro, que advoga para uma das empresas que estão sob a mira do Instituto Combustível Legal, afirma desconhecer diretamente o fato, mas considera plausível que a perseguição aconteça.
“No início da década passada, o Sindicom contratou a empresa Kroll para investigar seus concorrentes”, lembra.
“O relatório final foi encontrado em uma busca e apreensão realizada em um dos alvos da Kroll e, diante disso, o presidente do Sindicom, na época dos fatos, reconheceu que havia contratado a empresa.”
Dessa forma, segundo Magro, independentemente do aspecto pouco moral deste tipo de contratação, o mais importante é entender se houve e se está havendo utilização do dinheiro público por meio da BR Distribuidora.
Para o advogado, caso exista dinheiro público envolvido, os contratados deveriam ter participado de licitações e os executivos que fizeram a contratação deveriam responder como verdadeiros agentes públicos, ou seja, podendo ser atingidos pelo mesmo tipo de sanção que um funcionário do Estado sofreria na utilização irregular e sem transparência desses recursos.