Recuperação judicial no Brasil tem se revelado o melhor dos mundos para empresários caloteiros e um péssimo negócio para os credores.
Esta foi, por exemplo, a aposta do empresário Eike Batistta, conforme ficou demonstrado nas recentes decisões que decretaram a falência da MMX Mineradora e MMX Sudeste, empresas do portfólio do empresário. Mas neste caso específico, o apostador perdeu.
Eike acreditava que o processo de recuperação seria o caminho das pedras, porque o procedimento congela as dívidas das empresas e cria situações em que os débitos podem ser renegociadas com credores com deságio que podem chegar a 95% do valor da dívida, conforme chegou a propor o plano de recuperação das duas mineradoras.
Sem contar que por debaixo de todo pedido de recuperação existe um festival de aberrações que faz corar monge de pedra, como costuma dizer o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes.
Recuperação judicial tornou-se uma rota preferencial para devedores, podendo garantir impunidade, e fatalmente continuará produzindo escândalos.
Se por um lado Eike derrapou, aberrações é o que não faltam no processo de recuperação judicial da Companhia Açucareira Paraíso S.A., na cidade de Campos dos Goytacazes, uma indústria centenária localizada 17º distrito, na zona rural Município do Norte Fluminense.
Este processo que tramita na 4ª Vara Cível da Comarca de Campos e se arrasta por quase 8 anos, é tema de uma série de reportagens da Agência Fonte Exclusiva, no Portal VIU!., iniciada a partir deste domingo (1º).
As reportagens reforçam os indícios de que o processo está eivado de ilegalidades que levaram o judiciário a erro. Três ilegalidades flagrantes:
1 – Carlos Dias dos Santos, o Panela, um idoso de 73 anos, e credor de uma dívida milionária, não foi incluído no pólo passivo da Recuperação Judicial.
2 – Há fortes suspeitas de que o aporte financeiro feito pelo idoso em 2012, com garantias na produção de etanol, pode ter entrado para os controladores da usina por meio de caixa 2.
3 – O negócio foi intermediado pela empresa Faria Corretora, que funcionava em um escritório dentro da Usina Paraíso.
GRUPO ECONÔMICO
Por meio de um levantamento de dados no processo, a Fonte Exclusiva constatou que a Recuperação Judicial inclui outras empresas do grupo: a Leite Agropecuária Ltda., Agrocanavieira São Martinho S.A., Tócos Agrocanavieira S.A. e Agacê Sucroquímica Ltda. Todas tem uma família entre os sócios e endereços na sede da Usina.

Outro fato relevante nesta recuperação é que a Agacê, integrante do grupo e no pólo da recuperação, nunca produziu nada. A empresa foi contemplada com empréstimo milionário do Fundo de Desenvolvimento de Campos (Fundacam), mantido pela Prefeitura com royalties do petróleo.
O dinheiro foi liberado porque a empresa apresentou um projeto de produzir solventes químicos com subproduto da cana. Assim como não produziu solventes, também não pagou o empréstimo, sendo uma das grandes devedoras do Fundecam.
QUEM MANDA NAS EMPRESAS
O administrador da Recuperação Judicial é a Licks Associados, mas quem continua dando entrevistas, negociando e falando pelo grupo é um dos diretores, Geraldo Hayem Coutinho, que em tese estaria afastado da administração.
O grupo também está destinando canas de suas terras para a Usina Coagro a preços bem abaixo da cotação. A cana, cuja tonelada até recentemente estava cotada em R$ 87 a tonelada, é negociada a R$ 34 para a Coagro, segundo informações de produtores locais.
A Paraíso, bem como suas terras, está incorporada aos negócios do empresário Renato Abreu, do grupo MPE, que atua para a Coagro, a nova sócia que já estaria utilizando equipamentos canibalizados do parque industrial de Tócos.
O acordo entre o Grupo MPE, Coagro e Paraíso foi selado após seis meses de longas tratativas e tem como condição essencial o processamento de 2,5 milhões de toneladas de cana. (Fonte: Coagro)
O vice-prefeito da cidade, Frederico Paes, que também é presidente da Coagro, anunciou campanha eleitoral do ano passado, que vai reabrir a Paraíso, e nunca foi admoestado pelos administradores da recuperação judicial.

Ao longo desta semana, a série de reportagens de Fonte Exclusiva estará detalhando todo o processo da indústria sucroalcooleira, nomes dos principais credores e os possíveis desfechos diante dos fortes indícios de irregularidades, que também poderá trazer implicações para a Coagro e o empresário Renato Abreu.
O flagrante alijamento do administrador judicial nos processos decisórios estão explícitos em matérias jornalísticas na imprensa local, conforme se verifica até mesmo em postagem no site da Coagro. Confira um trecho:
O setor sucroalcooleiro do Norte Fluminense tende a recobrar o fôlego e reconquistar espaço na economia fluminense com a incorporação da Usina Paraíso ao Grupo MPE, do empresário Renato Abreu, que controla a Usina Sapucaia, hoje arrendada pela Coagro (Cooperativa Agroindustrial do Estado do Rio de Janeiro). A operação foi celebrada como um passo inédito na retomada do setor após reunião entre Abreu e Frederico Paes (Coagro), mais os irmãos Geraldo e Maurício Coutinho, representando a usina de Tocos, em processo de recuperação judicial.
A proposta do Grupo MPE, segundo Abreu, é ampliar a produção de cana e levar as duas usinas a funcionarem dentro de sua plena capacidade operacional. Nas últimas safras, as duas unidades vinham operando apenas com 1/3 de sua capacidade devido à escassez de matéria prima.
Outro fato digno de registro, é que o escritório de advocacia que produziu o pedido de recuperação judicial da Paraíso aprovado pela 4ª Vara Cível de Campos é a notória banca do advogado Sérgio Bermudes, a mesma que conseguiu a recuperação da MMX Mineração e MMX Sudeste, as duas empresas de Eike Batista que tiveram falência decretada.