Grande revelação na disputa pela prefeitura de Campos (RJ), Norte do Estado, na eleição do ano passado, a professora Natália Soares (PSol) está imersa na ocupação das casas dos conjuntos Novo Horizonte I, Novo Horizonte II e Novo Horizonte III, na periferia da cidade.
As casas do programa Minha Casa, Minha Vida foram ocupadas por centenas de moradores que não suportaram a longa espera para obter as chaves dos imóveis.
Em meio aos moradores, Natália participa de um movimento solidário que está distribuindo alimentos e assegurando assistência jurídica à comunidade no enfrentamento de ações de desocupação promovida pela empresa Realiza, que construiu o conjunto financiado pela Caixa Econômica Federal.
Mas Natália não está só. Junto com ela estão estudantes universitários, assistentes sociais, advogados e militantes da UP (União Popular Socialista), partido de esquerda recém fundado e que teve sua primeira participação na eleição do ano passado.
A entrada da esquerda na periferia de Campos preenche um vácuo deixado nas políticas sociais. A cidade com mais de 500 mil habitantes, tem mais de 140 mil pessoas desempregadas, um contingente que não para de crescer na pandemia.
A crise social fez também aumentar a população de rua, assim como a fome e o número de pessoas em estágio de vulnerabilidade social.
Levantamento realizado pelo economista José Alves de Azevedo Neto aponta uma redução dos investimentos da Prefeitura em políticas sociais no primeiro bimestre deste ano, ante o mesmo período de 2017, primeiro ano do governo do ex-prefeito Rafael Diniz (Cidadania).
“Em relação à assistência social, o atual governo destinou R$ 10,218 milhões em 2017 e apenas R$ 1,380 milhões entre janeiro e fevereiro deste ano. Isso resulta em uma redução de 86,49% em investimentos”, destaca o economista.
A cidade de Campos atualmente é governada pelo prefeito Wladimir Garotinho (PSD), filho dos ex-governadores Rosinha e Anthony Garotinho. Ele sucedeu Rafael Diniz.
“Os dois períodos (janeiro e fevereiro de 2017 x janeiro e fevereiro de 2021) simbolizam uma conjuntura semelhante do ponto de vista financeiro e fiscal no que tange às contas públicas”, destaca José Alves.

DISPUTA JUDICIAL EM NOVO HORIZONTE
Nos conjuntos habitacionais Novo Horizonte, cerca de 2 mil pessoas estão ocupando as residências.
A ocupação foi deflagrada ante o atraso no cronograma de entrega das casas, provocado pela construtora Realiza.
O que se desenrolou após a ocupação foi uma disputa jurídica, porque a empresa entrou com uma ação na justiça federal com pedido de liminar para desocupar os imóveis.
Inicialmente, a justiça acolheu o pedido da empresa, mas a entrada do movimento popular com assistência social e jurídica reverteu a situação em favor dos moradores.
O movimento, juntamente com a Defensoria Pública Federal, recorreu da decisão em 1ª instância mostrando a realidade social da comunidade e confrontou as acusações da Realiza, que apontava a ocupação como ato de vandalismo com infiltração de criminosos.
Com base em matérias jornalísticas, no entanto, a justiça refutou esta argumentação e manteve a ocupação provisória dos imóveis, decisão que também seria revertida pela Caixa Econômica Federal e a Reliza ainda em 1ª instância.
Mas neste sábado (1º), o desembargador Aluisío Gonçalves, do Tribunal Regional Federal (TRF4), acolheu agravo com pedido de liminar da Defensoria Pública da União e do movimento popular e garantiu a permanência dos moradores nos imóveis por mais um prazo de 30 dias.

Para fundamentar o recurso no TRF4, o movimento popular auxiliado por assistentes sociais apresentou gráficos destacando a real necessidade dos moradores, que foram divididos em 4 grupos:
1 – Pessoas que estão cadastradas para receber os imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida;
2 – Pessoas que estavam assistidas pelo programa Aluguel social da Prefeitura de Campos e que foram despejadas;
3 – Pessoas que estão contempladas com algum programa social, como auxílio emergencial do governo Federal, mas que a quantia é ínfima e insuficiente para pagar aluguel;
4 – Pessoas completamente desassistidas de qualquer programa social em todos os níveis, municipal, estadual ou federal.
“As pessoas que estavam no aluguel social foram despejadas por falta de pagamento. Apesar do atual prefeito Wladimir Garotinho manter os pagamentos deste ano em dia, tem oito meses de atrasos do governo Rafael Diniz que não foram pagos e essas pessoas foram despejadas dos imóveis de forma totalmente ilegal, como acontece nas favelas e comunidades pobres”, destaca a advogada Rafaelly Galossi.
Outro fato levado em conta pelo desembargador, foi o fato que em pleno agravamento da pandemia do novo coronavírus, a desocupação deixaria milhares de pessoas em situação de extrema vulnerabilidade em termos de saúde pública.
A decisão não tem caráter definitivo, mas permite que os moradores ganhem tempo até que as chaves das casas sejam definitivamente entregues pela Caixa Econômica Federal.
A ESTRELA SOBE
A esquerda universitária de Campos segue uma trajetória virtuosa diante do afastamento da classe política local das políticas sociais abrangentes, no momento em que a pandemia do novo coronavírus e a retração econômica empobrece ainda mais a cidade.
Outro fato relevante nesta trajetória, é que a esquerda saiu da pedra para inserir-se nas comunidades da periferia, mediante um movimento organizado.
Nos conjuntos Novo Horizonte, todas as iniciativas no campo jurídico foram deliberadas em assembleia comunitária, com ampla participação da comunidade.
O ambiente está inóspito para os políticos tradicionais da cidade, de forma que neste período de crise, apenas a esquerda universitária está conseguindo chegar aos despossuídos e conversar sem ser cobrada.
Neste sábado, 1º de maio, dia do Trabalhador, enquanto parte da classe política local curtia o feriado, onde estava a professora Natália Soares e o núcleo da esquerda universitária: participando da assembleia dos moradores dos conjuntos Novo Horizonte.
Assim como o direito não socorre aos que dormem, política não admite espaço vazio.