Com um orçamento que deve chegar a R$ 2 bilhões até o fim do exercício fiscal deste ano de 2021, o município de Campos segue como um dos símbolos de gastos milionários e desperdícios de dinheiro público entre as cidades petrorrentistas.
Os gastos exacerbados afrontam a pobreza de um município que enfrenta uma crise social aguda.
Os dados oficiais apontam que atualmente, 33.282 famílias, com 103.206 pessoas, vivem em situação de extrema pobreza no município.
Até setembro deste ano, 76.102 famílias constavam como inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) do governo Federal. Deste contingente, 50.782 sobrevivem com renda per capita familiar de R$ 89.
Se falta comida na mesa do pobre, o dinheiro do orçamento jorra com força para os cofres de empresas que prestam serviços no setor público.
Na esfera administrativa, em meio a fome, os procedimentos adotados pelo município para efetuar os gastos atropelam a legislação e desafiam os órgãos de controle externo, porque há um visível destemor por parte dos agentes públicos no ordenamento das despesas.
O fato mais recente nesta trajetória de gastos milionários com fortes indícios de corrupção, está em uma unidade de saúde.
Apenas para reformar o setor de emergência e a cobertura metálica do Hospital Geral de Guarus (HGG), na periferia da cidade, a empresa Ágabo Comércio e Serviços Ltda vai receber R$ 16,238 milhões (processo nº 2021.045.000169-7-PR) do poder público municipal.
A mesma obra chegou a ser licitada por R$ 4 milhões no governo Rafael Diniz (Cidadania), antecessor do atual prefeito Wladimir Garotinho (PSD), só que a empresa Projecons Projetos e Construções Ltda, vencedora do certame, não iniciou a obra.
Para ganhar o novo contrato turbinado, a Ágabo não precisou disputar uma licitação. Foi contemplada com dispensa do processo licitatório, conforme orienta o parecer de nº 222.002/2021, da Procuradoria Geral do Município, que foi favorável ao procedimento.

“Isso é como pular de qualquer altura”, destaca uma fonte especialista em licitação e engenharia, ouvida pela reportagem sob a condição de anonimato.
“A esse custo, daria para construir um hospital de 6 mil metros quadrados com custo de 2.500 por metro quadrado”, diz a fonte.
Ou seja, o que vai se gastar na reforma de um telhado e de uma emergência, se construiria um hospital novo em Guarus.
“Sem contar que o terreno é área de aterro, alagada, à margem de uma lagoa. A tendência é que ao longo do tempo a estrutura volte a ficar trincada, caso não usem estaca na obra”, explica o especialista.
A Prefeitura não divulgou a planilha da obra e também não deu publicidade ao nome de outras empresas que tenham apresentado orçamento. Portanto, é impossível saber se o projeto de engenharia prevê o uso de estaca.
O sócio da Ágabo
O que desperta uma atenção especial sobre este contrato milionário na cidade com índice recorde de desemprego e milhares de pessoas vivendo em situação de extrema pobreza, não é apenas o valor exorbitante e a dispensa do certame, mas também as conexões políticas e empresariais.
Neste negócio emerge a figura do sócio da Agabo, Márcio de Andrade Feital, cujo nome consta em contratos de outras empresas, conforme chegou a ser denunciado anteriormente na mídia local.
Segundo levantamento realizado pela Agência Fonte Exclusiva, a empresa Ágabo está sediada em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. É o mesmo município administrado pelo atual cacique do MDB, Washington Reis.
O prefeito de Caxias foi um dos apoiadores da campanha do prefeito de Campos, Wladimir Garotinho (PSD). O seu partido, o MDB, indicou o vice na chapa: o usineiro Frederico Paes.
Presidente da Cooperativa Agroindustrial (que administra a usina sucroalcooleira Sapucaia), ele é um debutante na administração pública e demonstra uma certa dificuldade para diferenciar o público e o privado.
No organograma do governo Wladimir, a saúde está subordinada ao gabinete do vice-prefeito. O HGG é administrado por uma autarquia, a Fundação Dr. Geraldo Venâncio, que também está no guarda-chuva da saúde. Mas é aqui que está o mais recente bilhete premiado da república do chuvisco: a obra de R$ 16,238 milhões.
Os endereços da Ágabo
Em pesquisa realizada por meio de cruzamento de dados em plataformas digitais, a Ágabo aparece com três endereços diferentes no município da Baixada Fluminense. Um dos endereços, rua Corfeu, 75, no Jardim Primavera, está também sediada a Igreja Ministério Palavra e Adoração.
Outro endereço é a Alameda Aristides Lobo, quadra 30, lote 4, s/n, Duque de Caxias. Outro endereço é na Chácara Rio Preto, em uma casa, também em Duque de Caxias.
O município de Duque de Caxias no governo Wladimir tornou-se uma espécie de matriz do orçamento da cidade do Norte Fluminense. Por uma feliz ou infeliz coincidência, recentemente a Prefeitura de Campos consumou uma adesão de ata na área de iluminação pública, realizada no município da Baixada Fluminense.
A adesão contemplou a empresa Hashimoto, envolvida na Operação Basura, no município de Cabo Frio, na Região dos Lagos, em dezembro de 2017.

O contrato seria para implementar iluminação com lâmpadas LED nas vias públicas. O valor foi estipulado em R$ 10,8 milhões, um valor 61,2% superior ao contrato da Urbeluz, que anteriormente cobrava R$ 6,7 milhões pelo mesmo serviço.
O contrato foi alvo de um pedido de informação protocolado por um morador do município e a prefeitura de Campos foi obrigada a atender o pedido por determinação do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RJ).
Ligações perigosas
O título do drama (Ligações Perigosas) inspirado no clássico da literatura francesa “Les liaisons dangereuses”, de Pierre Choderlos de Laclos, filme que fez sucesso no cinema em 1988, ano em que Anthony Garotinho ganharia a prefeitura de Campos pela primeira vez, talvez, seja o que melhor resume o governo do filho Wladimir, ou simplesmente Wlad, para os mais íntimos.
A conexão do empresário Feital com Campos não está apenas neste grande negócio do HGG. Uma das empresas do seu portfólio, SPE WL Empreendimentos Imobiliários Ltda, está associada à empresa Methos Agrícola Ltda. Há uma sociedade de CNPJs.
O vice-prefeito Frederico Paes consta como sócio da Methos, empresa sediada em Campos e voltada para o agronegócio.
Isso, em tese, já evidencia um conflito de interesses digno de uma investigação por parte dos órgãos de controle externo ou até mesmo uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no âmbito do legislativo municipal. O valor do gasto e a dispensa de licitação é um imperativo a mais.
A pesquisa de Fonte Exclusiva chega a outro ponto que mapeia a confusão entre público e privado. Com capital social de R$ 10 mil, a empresa do vice-prefeito tem o mesmo endereço da Usina Sapucaia: Estrada Campos-Itaperuna, km 15, S/N, que também é o endereço da Coagro.
Perto de completar um ano de governo, o prefeito de Campos, Wladimir Garotinho, é um forte candidato a liderar o ranking de gestores locais com maior número de Ações Populares. Comanda um governo associado aos interesses de usineiros e mergulhado em gastos milionários que concentram renda para os mais ricos e se distancia de medidas mitigadoras para aliviar a crise social.
Por conta dos contratos suspeitos, o município já é alvo de dezenas de pedidos de informações, bem como ações no Tribunal de Justiça para obrigar o prefeito a cumprir a lei de acesso à informação, disponibilizando dados para consulta pública.
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