O Brasil vive hoje um aprofundamento do processo de desindustrialização que foi iniciado já no governo de Fernando Collor, o que significa causar um profundo encolhimento da quantidade de empregados em setores que geram alto valor agregado, sem que os trabalhadores demitidos possam ser assimilados em outros segmentos da economia, já que o país patina em uma grave recessão econômica.
Por outro lado, avança com uma velocidade até difícil de medir um processo de venda de estatais e outros ativos públicos sem que a maioria da população brasileira seja ouvida ou sequer tenha tempo de acompanhar o que está sendo vendido, na maioria das vezes a preços mais do que módicos, a corporações multinacionais, entre elas um número significativo de estatais pertencentes aos chamados países desenvolvidos. E, pior, a preços que não se justificam quando se examina, por exemplo, o lucro anual de muitas das empresas que estão sendo vendidas.
Enquanto tudo isso acontece, o presidente Jair Bolsonaro e ministros (isto sem falar nos três filhos do presidente com mandato parlamentar) invadem a cena pública com declarações que causam debates tão acalorados quanto inúteis.
Um ataque ao vice-presidente aqui, uma declaração homofóbica ou misógina ali, e todos parecem cair vítimas de uma estratégia baseada na máxima do Chacrinha que dizia que não estava na cena pública para explicar, mas para confundir.
Mas essas declarações a la Chacrinha, que podem até parecer despropositadas e desconexas para os mais desavisados, possuem uma finalidade que me parece clara, qual seja, a de facilitar a implantação de um projeto de desestruturação do Estado brasileiro sem que os principais perdedores, a maioria pobre da nossa população seja consultada se é isso mesmo que se quer para que o Brasil finalmente volte a funcionar naquilo que interessa.
PRESSÃO DOS BANQUEIROS
A atual proposta de reforma da previdência é um exemplo disso. Os maiores especialistas do assunto têm demonstrado que essa proposta não gerará nada mais do que um aumento brutal da concentração da renda e o extermínio da previdência pública, favorecendo os já extremamente lucrativos bancos brasileiros.
Por isso mesmo são os donos de bancos que pressionam mais para que a versão enviada por Jair Bolsonaro passe incólume pelo Congresso Nacional, de modo a que seus lucros já fabulosos aumentem ainda mais.
Mas essa realidade tem sido ofuscada não apenas por uma ação diligente da mídia corporativa que tem seus próprios interesses na aprovação dessa reforma, mas também por uma sucessão de entreveros dentro do governo Bolsonaro que nada tem a ver com o oferecimento de informações confiáveis sobre a proposta em análise no congresso.
O exemplo mais claro dessa estratégia de criar cortinas de fumaça e jogos de espelho foi a declaração do presidente Jair Bolsonaro de que ele pretende remover o financiamento federal para cursos de Filosofia e Sociologia, pois estes não gerariam, segundo ele, ganhos para a população ou para os jovens que se interessem por estas duas disciplinas.
Ainda que possa haver alguma oposição genuína do presidente Bolsonaro ao ensino de Filosofia e Sociologia, o que me parece mais real é que embarcou numa canoa que não tem chance de prosperar, dada a garantia constitucional de que as universidades devem operar com autonomia pedagógica e administrativa, apenas para fins de distração de agendas mais contundentes como o desmanche do Ministério do Ambiente e a ampliação das facilidades para que atividades que degradam e poluem possam ser realizadas sem as atuais restrições legais.
TERRA ARRASADA
Em outras palavras, toda a suposta agenda de guerra ao marxismo cultural dentro das universidades públicas que embala constantes ataques à autonomia das mesmas visa dificultar que sejam identificadas aquelas áreas aonde o governo Bolsonaro vem impondo uma política de terra arrasada para favorecer os setores mais retrógrados da sociedade brasileira.
Assim por mais que seja tentador cair em debates que são fomentados apenas para nos distrair, penso ser urgente voltar nossas atenções para assuntos que realmente fazem sentido para a maioria das pessoas, a começar pelo direito de se aposentar em condições dignas em um momento da vida em que os aposentados possam não apenas viver dignamente, mas também aproveitar bem os anos que lhe restam. E basta olhar para o Chile, país que impôs o mesmo modelo de aposentadorias por capitalização, para verificar que não há qualquer chance do mesmo dar certo no Brasil.
A hora que vivemos é bastante grave, na medida em que se está tentando desmanchar uma versão bastante precária de um Estado do bem estar social em nome de outro cuja eficiência já foi refutada em todos os lugares que foi tentada. É disso que realmente está se tratando neste momento, e é essencial para que não querem viver em um país cada vez mais afundado na violência e na desigualdade social entendam isso. Do contrário, teremos não apenas mais uma década perdida como aquela que os anos de 1980, mas várias delas.