Quatro anos depois de uma reportagem da Agência Fonte Exclusiva (vídeo acima) denunciar a situação de penúria de um idoso, credor da Usina Paraíso, no Norte do Estado do Rio, a situação continua a mesma, apesar do caso ainda ser alvo de disputas judiciais e denúncias contra uma suposta associação criminosa.
Carlos Dias dos Santos, o Panela, hoje com 73 anos, continua morando em um baú de caminhão na zona rural de São Fidélis, enquanto os responsáveis pelo seu prejuízo estão em tenebrosas transações no milionário setor sucroalcooleiro.
Segundo conteúdo de uma notícia-crime formalizada ao Ministério Público Estadual (MPE), o aposentado foi vítima de uma associação criminosa formada para empreender crimes de estelionato, falsificação de documentos, falsidade ideológica, fraude processual e obstrução à justiça.
Os nomes denunciados ao MP como supostos integrantes da Associação Criminosa são: Geraldo Benedicto Hayem Coutinho, Maria Cristina Hayem Coutinho, Marcelo Hayem Coutinho, Luiz André Hayem Coutinho e Amaro Ribeiro do Nascimento Júnior.
Os Coutinhos são herdeiros da Paraíso e Amaro é dono de uma empresa apontada como a intermediária nas supostas atividades criminosas do grupo.
A notícia-crime tem por objetivo, apenas, denunciar os crimes e não trata de recebimento de dívidas, disputa que está sendo travada em outras etapas de processos judiciais.
“A notícia-crime foi uma forma que encontrei de conter a atividade dos criminosos, que já fizeram novas associações e estão ampliando suas atividades”, destaca o idoso ao ser contactado pela pela reportagem depois de quatro anos.
Há dificuldades de se falar com o idoso, porque na região que mora em São Fidélis tem dificuldades de sinal de telefonia.
INQUÉRITO POLICIAL
Desde que o caso foi evidenciado por Fonte Exclusiva em junho de 2017, o Ministério Público investigou os denunciantes por meio do Grupo de Apoio à Promotoria (GAP), certamente para atestar a veracidades dos relatos contidos na notícia-crime, e posteriormente remeteu as peças para abertura de inquérito na 134ª Delegacia de Polícia, onde não se tem informações sobre o andamento do caso.
Ao que consta, até hoje, nenhum dos citados na denúncia foram intimados para prestar esclarecimentos no inquérito.
De acordo com documentos obtidos pela reportagem, o caso foi encaminhado para inquérito na 134ª Delegacia de Polícia (Centro) pela promotora Renata Felisberto N. Chaves.
A remessa de documentos foi em 2017 e, na ocasião, o prazo para conclusão do inquérito era de 90 dias, mas já se passaram quatro anos.
ENTENDA O CASO
Carlos Dias dos Santos foi um comerciante com tradição no ramo de venda de molas de caminhões na cidade de Campos dos Goytacazes. A Usina Paraíso, uma indústria dedicada à produção de açúcar e etanol, foi uma grande cliente ao longo dos anos, na época em que era administrada por Geraldo Coutinho, patriarca da família que gerenciava a indústria.
A indústria localizada em Tocos, na Baixada, está em recuperação judicial há 8 anos e o maior credor na recuperação, curiosamente, é Geraldo Benedicto Hayem Coutinho, um dos sócios. Ele é filho de Geraldo, o patriarca que o antecedeu à frente da indústria.
Os laços de amizade de Dias com o patriarca criaram uma relação baseada na confiança, de forma que era comum o comerciante emprestar dinheiro ou serviços condicionado à restituição por meio de retiradas de álcool no período de safra.
NEGOCIAÇÃO DO EMPRÉSTIMO
Em 2012, a usina já era administrada pelos filhos do patriarca e atravessava uma crise financeira devastadora. Era um ciclo semelhante a outros que ocorreram na transição de gestões familiares no setor, que colaboraram para a falência de dezenas de usinas locais.
Mas naquele ano de 2012, o idoso e parceiro do velho Coutinho recebeu uma indenização milionária e foi neste momento oportuno que um grupo com atuação na usina e a família do usineiro teriam iniciado o assédio para um empréstimo que já totaliza mais de R$ 4 milhões, visando empregar na safra.
A proposta era similar ao que já fazia o velho Coutinho: dinheiro lastreado na produção de etanol, porque a poupança seria um negócio arriscado.
Geraldo Coutinho Filho, que fazia parte da diretoria da Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan) e aparecia em fotos ao lado de figuras como ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, assegurava que tinha informações privilegiadas de que o governo do PT promoveria um confisco de aplicações financeiras, a exemplo do fez Fernando Collor de Mello na década de 90.
A partir daí, o suposto núcleo criminoso, recebeu o dinheiro por meio de parcelas, que estão narradas em outros processos na Justiça. O dinheiro foi operado pela intermediária Faria Corretagem Ltda, que atuava junto à Refinaria de Manguinhos, que figura entre as maiores sonegadores de impostos no Estado do Rio.
Mas enquanto a justiça tarda, os negócios da Paraíso, ainda que esteja em recuperação judicial, caminham na velocidade do pensamento. A matéria prima colhida em grandes extensões de terras da empresa está sendo processada na Usina da Coagro, uma cooperativa de produtores que comanda a usina Sapucaia.
A Coagro também já anunciou que vai reativar a Paraíso, que foi comprada por uma empresa com atuação no mercado imobiliário. Interessante que a figura que continua falando e dando entrevistas sobre esses negócios em nome da Paraíso não é o gestor da recuperação judicial, mas Geraldo Coutinho em pessoa.
Outro fato controverso, é que a Coagro na cidade é administrada pelo vice-prefeito Frederico Paes (MDB), que na última campanha eleitoral, anunciou o projeto de reabrir a Usina Paraíso em propaganda eleitoral.
Frederico Paes é vice-prefeito por meio de uma aliança de uma parte dos usineiros locais com o garotismo. O prefeito da cidade é Wladimir Garotinho, filho dos ex-governadores Anthony e Rosinha Garotinho.
Em um dos recentes pedidos ao MP, o aposentado também pede que Paes seja ouvido no âmbito da notícia-crime.
A centenária Usina Paraíso é caso de polícia, ainda que a Polícia esteja longe de investigar as denúncias em que os réus, nenhuma autoridade local ousa dizer o nome. A Fonte Exclusiva tentou falar com as pessoas citadas na reportagem, mas não obteve retorno. Confira abaixo documentos na íntegra: