O mundo da concessionária de saneamento Águas do Paraíba, na cidade de Campos (RJ), Norte do Estado, é decorado com quantias milionárias e pintado com as cores da impunidade.
Filial do consórcio Águas do Brasil, que tenta arrematar a Cedae, no Rio de Janeiro, a empresa não cumpriu o cronograma de investimentos no maior município do Norte Fluminense e ainda mentiu para a Câmara de Vereadores, conforme comprova documento obtido pela Agência Fonte Exclusiva em processo que tramita na Justiça.
O documento em questão é um ofício endereçado pela empresa em resposta ao então vereador da cidade, Cláudio Andrade, em 2019, quando questionava o reajuste na conta de tarifa de água e esgoto sanitário. No passado, foi anexado a uma Ação Civil Pública que tramita na justiça local.
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ENTENDA O CASO
No ofício de número 001/2019, datado de 8 de janeiro daquele ano, a concessionária afirma para o vereador que o reajuste de 10,6% concedido pelo então prefeito Rafael Diniz se justificava, porque no ano seguinte (2020), “a empresa estaria concluindo as obras de saneamento e tratamento em toda grande Guarus”, periferia da cidade.
A empresa, no entanto, não cumpriu este cronograma. Vários bairros de Guarus continuam sem rede de esgoto. Em algumas comunidades, onde a rede chegou, tem esgoto vazando pelas ruas.
No mesmo ofício, Águas do Paraíba anunciava que ainda no ano de 2019 estaria investindo R$ 70 milhões na cidade, só que esse investimento não consta no balanço que a empresa divulgou na edição 626, datada de 29 de junho de 2020, do Diário Oficial do Município de Campos.

O documento é assinado pelo superintendente local da empresa, Juscélio Azevedo de Souza.
MENSAGEM AO PUXADINHO
O confronto de informações levanta fortes indícios que a empresa banaliza tanto a relação com o poder legislativo local, que não tem a menor preocupação de mentir para um parlamentar por meio de ofício. É como se um ofício timbrado com papel da concessionária fosse uma simples mensagem ao puxadinho.
Esse tipo de conduta por parte de uma concessionária já deveria suscitar medidas enérgicas por parte do Poder Legislativo, mas ficaria no esquecimento, não fosse o trabalho investigativo de Fonte Exclusiva.
Na legislatura passada, apenas uma minoria de parlamentares se levantaram contra as mordomias e desmandos da concessionária. Um deles foi o vereador Álvaro Oliveira (PSD), atualmente líder do governo Wladimir Garotinho na Câmara de Vereadores. Ele é autor de uma Ação Popular contra o reajuste de 2019.

Naquele ano, Águas do Paraíba contabilizou um lucro líquido de R$ 52,7 milhões, além de R$ 66 milhões em caixa e R$ 10 milhões aplicados no mercado financeiro.
Segundo o mesmo balanço, foram R$ 13 milhões destinados ao pagamento de dividendos, ou seja, executivos e investidores, o que dá mais de R$ 1 milhão por mês.
São números turbinados por reajustes acumulados que, só ano de 2018, foi 300% acima da inflação acumulada em 12 meses, segundo destaca um trecho da Ação Popular que tramita na 5ª Vara Cível da Comarca de Campos.
DECRETO DA MALDADE
Neste ano de 2021, Águas do Paraíba está contemplada com um reajuste de 7,14% nas tarifas. A empresa foi beneficiada mesmo neste período de agravamento da pandemia, quando a cidade voltou à fase laranja e decretou lockdown no comércio, em função da ocupação de 90% das UTIs destinadas aos pacientes de Covid-19.
O decreto foi publicado no dia 28 de dezembro de 2020, no apagar das luzes do governo Rafael Diniz, mas ainda não foi revogado pelo atual prefeito Wladimir Garotinho. As contas de janeiro já estão chegando com aumento.
O vereador Álvaro Oliveira, que questionou o reajuste de 2019, ainda não se pronunciou sobre este novo “decreto da maldade”.
Neste mundo colorido em meio a desgraça coletiva, onde mais de 100 mil pessoas estão desempregadas, economia desacelerada falindo empresas locais, a concessionária de serviços públicos lucra milhões graças aos decretos benevolentes e praticamente não sofre um único arranhão por não cumprir os cronogramas de investimentos.
Em recente entrevista ao Portal VIU!, o vereador Thiago Rangel (PROS) defendeu a revogação do decreto da maldade, que mantém o reajuste concedido na tarifa de água e esgoto de Campos.
“Isso é inconcebível. A cidade está com milhares de pessoas desempregadas, servidores com salários atrasados e enfrentando uma pandemia. Não compactuo com este absurdo”, disse.