Uma dentista de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, está sendo acusada por pacientes de deformar rostos após procedimentos de harmonização facial.
De acordo com a Polícia Civil, até sexta-feira (5), 21 denúncias de antigos clientes da investigada foram registradas.
A personal trainer Camilla Carvalho, de 35 anos, fazia procedimentos com a dentista em várias regiões do rosto desde 2018. Ela conta que os problemas começaram quando as aplicações foram feitas na boca e no nariz.
“Começou a aparecer caroços na minha boca e eu sempre fui em cima dela pra saber o que eram aqueles caroços e ela conseguia fazer com que eu acreditasse que eu que ocasionei aquele problema, que o meu corpo não aceitou o ácido, que eu deveria ter calma porque (a substância) iria se assentar”, diz.
De acordo com Camilla, a dentista chegou a aplicar um produto nos lábios da paciente com a promessa de que ele diluiria a substância da harmonização, o que não aconteceu. “Todas as vezes que eu voltava ao consultoria para ela avaliar os caroços, ela aplicava um remédio dizendo que ia diluir os caroços e não diluía”.
“Era uma dor insuportável e eu ficava com a boca deformada”.
Substância imprópria e mais barata
Segundo a investigação, a dentista usava PMMA nos procedimentos, uma substância legal, porém não recomendada no caso de harmonização facial.
“Ela oferecia às vítimas harmonização facial dizendo utilizar ácido hialurônico, que é um produto absorvível e temporário, e efetivamente utilizava o PMMA, que é uma substância inabsorvível e permanente que só se retira com cirurgia plástica”, explica a delegada adjunta da 134ª Delegacia de Polícia, Nathalia Patrão.
De acordo com a delegada, a substância utilizada dava uma margem de lucro maior à dentista. “Onde ela gastaria cerca de 250 a 300 reais usando a substância certa, com a irregular ela gastava de 10 a 20 reais”, conta.
A defesa da profissional alega que não houve irregularidade.
“Todos os materiais por ela utilizados, e isso é sem dúvida, são autorizados pela Anvisa. Ela tem plena convicção da correção de seus atos, até porque o cirurgião dentista tem autorização para trabalhar nesse segmento”, defende o advogado da dentista, Eduardo Ferraz.
Uma operação da Polícia Civil apreendeu materiais e dinheiro na casa da dentista em Campos, no RJ — Foto: Reprodução/Inter TV
Apreensão de dinheiro e materiais
Uma operação da Polícia Civil apreendeu materiais e dinheiro em dois endereços ligados à dentista. Um dos locais foi a casa da suspeita, onde foram encontrados os produtos. Parte deles foi comprada na Coreia do Sul, com marcas sem autorização da Anvisa, segundo a polícia.
Além disso, policiais apreenderam mais de mil fichas de pacientes, cerca de R$ 68 mil em dinheiro guardados em um cofre, cheques e dois celulares usados para marcar consultas.
Até o momento, não foi emitido nenhum mandado de prisão contra a suspeita. Mas medidas cautelares já foram implementadas, como a retenção do passaporte, e a obrigação da exclusão das redes sociais, responsáveis por atrair novas vítimas, segundo a investigação.
A Justiça determinou, ainda, o bloqueio de 100 salários mínimos das contas bancárias da dentista.
A dentista responde por lesão corporal, estelionato e prática ilegal da arte dentária., segundo a polícia.
Consequências físicas e psicológicas
De acordo com a advogada das vítimas, Andrea Paes, os problemas apresentados pelas pacientes geraram, além de transtornos físicos, consequências psicológicas. “Emocionalmente elas (as vítimas) estão abaladas com tudo que elas sofreram”, afirma a advogada.
É o caso da cabelereira Lana Vellasco, que denunciou a dentista. Ela fez um preenchimento labial que apresentou problemas um dia após a aplicação.
“No dia seguinte começou já inchando, no segundo dia já estava muito inchado, minha boca começou a ficar roxa. Mandei mensagem pra ela, procurava, e ela sempre dizendo que era normal, que iria desinchar, que eu criava muito edema. Ela sempre tenta jogar a culpa em cima do paciente”, conta Lana, que foi diagnosticada com depressão após o caso.
“Foi muito difícil. Sofri muito. Fiquei quase quatro meses dentro de casa, trancada, não conseguia ver ninguém”.
A personal trainer Camilla conta que, após o procedimento no lábio, foi incentivada pela dentista a “empinar” a ponta do nariz. Aplicação que também gerou problemas, conta a personal trainer.
“Eu quase perdi a ponta do meu nariz porque quase necrosou. A minha sorte é que eu tinha um piercing no septo e quando eu fiz a retirada do piercing o pus desceu. Já fui em vários médicos e se eu não fizer a cirurgia que eu preciso com urgência eu tenho que fazer uso de remédio contínuo. A ponta do meu nariz ainda está inflamada”, relata.
“Eu quero justiça, não só por mim, eu quero justiça por todas”
De acordo com o cirurgião plástico, doutor Luís Chrysantho Neves, a retirada do produto é mais um complicador. “Para gente retirar esse produto, quando mal aplicado, é um procedimento mutilante porque a gente não consegue separar exatamente esse produto do tecido que ele foi aplicado”, explica.
“O conhecimento é a maior arma para se evitar esse tipo de risco, tanto de regiões anatômicas perigosas, quanto da qualidade do produto a ser escolhida para cada área. Dentro da área médica são os cirurgiões plásticos e dermatologistas, que são profissionais que estão em constante aprimoramento e já vem desde a base da especialidade praticando esse tipo de procedimento. Em relação aos dentistas, realmente essa busca tem que ser individualizada de profissional para profissional. Tentar conhecer os cursos, a aplicação”, orienta o cirurgião plástico.
As informações são do G1.