No dia 15 de Abril, uma ação conjunta da ONG Repórter Brasil e da Agência Pública trouxe à luz os resultados de um estudo realizado pelo Ministério da Saúde sobre a presença de resíduos de agrotóxicos que chegam às torneiras das cidades brasileiras, o que tornou mais explícito o fato de que o uso intensivo e abusivo de um número crescente de substâncias na agricultura brasileira está trazendo consequencias para além dos campos cultivados.
Ao contrário do que pretende a propaganda comercial dos fabricantes de agrotóxicos, essa contaminação não chega a ser uma surpresa, pois os compostos que estão sendo utilizados simplesmente não desaparecem ou vão para algum estado benigno.
A verdade é muito diferente disso, pois não apenas os compostos aplicados não desaparecem, como também geram subprodutos cuja toxicidade é muito maior do que os produtos que foram submetidos a testes antes de serem liberados comercialmente.
Outro detalhe que sempre é propositalmente omitido é que as substâncias que foram posteriormente utilizadas para erradicar vegetação secundária, insetos e fungos de áreas agrícolas foram inicialmente utilizadas como armas de guerra.
Aliás, um dos agrotóxicos que continuam a ser utilizados legalmente no Brasil, sendo conhecido aqui pela alcunha de 2,4D é também conhecido pelo nome de guerra de “Agente Laranja”, foi abundantemente utilizado pelas forças armadas dos EUA para desfolhear as florestas do Vietnã para facilitar a localização de tropas inimigas.
No entanto, quase cinco décadas depois do fim daquele conflito, famílias vietnamitas continuam presenciando os efeitos devastadores do Agente Laranja, incluindo graves mutações genéticas.
SITUAÇÃO GRAVÍSSIMA
Então há motivo de alarme para o fato de que pelo menos 25% das cidades brasileiras estão sendo abastecidas com água que contém resíduos de substâncias altamente tóxicas, e sem que as seus habitantes sequer estejam cientes do problema? A resposta é simples: sim há motivo para alarme.
Por uma o problema é que não existem muitos laboratórios capazes de avaliar o número incrivelmente alto de substâncias que estão sendo utilizadas na agricultura, o que significa é que o problema pode ser mais ou menos grave do que parece, mas que não deixa de ser real.
Além disso, muitas das substâncias que continuam sendo amplamente utilizadas no Brasil já foram proibidas em outras partes do mundo por causarem uma ampla gama de doenças, a começar por múltiplos tipos de câncer.
Por isso, a acumulação paulatina dessas substâncias deveria estar sendo cuidadosamente estudada também em seres humanos, pois o que normalmente se faz é avaliar, por exemplo, dos efeitos disso em camundongos de laboratório.
ÁGUA CONTAMINADA
A terceira e importante razão para alarme é que mesmo havendo conhecimento científico sobre o aumento da presença de resíduos de agrotóxicos altamente perigosos para a saúde humana, as empresas que realizam o abastecimento de água na maioria das cidades brasileiras opta por se comportar como se o problema não existisse.
Em função disso, o que continua a ser a prática dominante se relaciona a elementos como a remoção de partículas sólidas e agentes biológicos.
Em que pese a correção do uso dessas modalidades, o fato é que não se pode mais ignorar a necessidade da remoção de resíduos de agrotóxicos e outros tipos de resíduos contaminantes que incluem a cafeína, hormônios e mesmo a cocaína.
A maior razão para que as empresas que operam no ramo do tratamento de água continuem se valendo de uma legislação ainda embrionária na área da contaminação por agrotóxicos é certamente econômica.
É que com as atuais formas de filtragem e desinfecção, essas empresas têm garantido lucros bilionários e a inclusão de métodos mais sofisticados de limpeza irá certamente afetar a margem de lucratividade das mesmas.
O pior é que para se manterem surdas às necessidades de modificação de suas práticas, as quais foram criadas pela contaminação dos mananciais que abastecem nossas cidades, essas empresas têm contado com o auxílio inestimável de prefeitos e câmaras de vereadores que se omitem em uma área de interesse estratégico que é a da saúde pública.
APOIO POLÍTICO
É graças ao apoio político que não apenas se deixa de aperfeiçoar as formas de tratamento de água, como ainda são obtidos aumentos que vão além das taxas inflacionárias, o que garante lucros crescentes, em meio ao aparecimento de doenças que até recentemente tinham origens completamente desconhecidas.
No caso particular de Campos dos Goytacazes (RJ), os resultados da pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde são bastante graves.
É que não apenas foram encontrados todos os 27 agrotóxicos estudados, como também 11 deles estão associados a doenças crônicas, tai como câncer, defeitos congênitos e distúrbios endócrinos.
Além disso, 9 dos agrotóxicos detectados nas torneiras dos campistas estão acima do que é permitido pela legislação brasileira, a qual é muito mais permissiva do que a aplicada pela União Europeia.
A divulgação desses resultados dá motivos para a instalação, pelo menos, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) pela Câmara de Vereadores de Campos dos Goytacazes.
Há que se apurar, entre outras coisas, se os administradores da concessionária Águas do Paraíba têm feito algum tipo de estudo similar ou mesmo se já acessaram o Ministério da Saúde para obter os dados específicos para a água que chega a preço nada módico nas nossas torneiras.
Uma questão ainda mais importante seria verificar o que a empresa vem fazendo para ampliar o escopo de seus métodos de tratamento.
Lamentavelmente até o momento não verifiquei sequer um pronunciamento oficial, seja da Prefeitura Municipal ou da Câmara de Vereadores, no sentido de que se requeira à Águas do Paraíba que se posicione oficialmente sobre o que já está sendo feito para impedir que continuemos ingerindo agrotóxicos cotidianamente. Pelo jeito, estão esperando que a população continue tomando água contaminada de forma silente e conformada.
Professor Associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense, Campos-RJ; Bacharel e Mestre em Geografia pela UFRJ e PhD em "Environmental Design and Planning" pela Virginia Tech.