Essa semana ficamos estarrecidos com o lamentável episódio de racismo contra Vini Jr. Perturbante, também, foi o post no Twitter do presidente da La Liga, Javier Tebas, que dispara “já que quem deveria te explicar não o faz sobre o que é e que pode fazer La Liga nos casos de racismo, tentamos te explicar, mas você mesmo não apareceu a nenhuma das datas que você mesmo solicitou. Antes de criticar e injuriar a La Liga, você precisa se informar adequadamente Vini Jr.”
Além da retórica de que a vítima tem uma parcela de culpa, Tebas revela mais que a sua total falta de solidariedade. A posição de presidente da La Liga finge uma fragilidade institucional e a luta contra o racismo tem limites burocráticos que se esbarram também na ausência do jogador aos supostos encontros com a direção. Isto é, Vini Jr. teria errado em criticar uma organização que pouco pode fazer para combater atos de discriminação.
Sendo assim, o jogador do Real Madrid teria de “entender” a La Liga como se pessoas negras não “entendessem” todos os dias como as instituições nunca as favorecem.
Em resposta, o próprio Twitter decidiu anexar uma nota explicativa sobre como Javier Tebas dificultou os protocolos contra racismo em diferentes momentos de sua carreira. Resgataram também o fato que o presidente da La Liga é um ávido apoiador do Vox, um partido de extrema-direita espanhol. Partidos de extrema-direita na Europa têm levantado pautas neonazistas que entre muitos pontos rejeitam a presença de imigrantes e exaltam a supremacia branca.
Também nessa semana, outro efeito da supremacia branca nos Estados Unidos levou a organização por direitos de negros, pardos e latinos a NAACP, agência especializada em direitos de pessoas racializadas, a emitir uma nota desencorajando negros ou membros da comunidade LGTBQ+, especialmente pessoas trans, a visitarem o estado da Florida. O comunicado alerta que essas pessoas, assim como imigrantes, correm risco ao visitar um estado que tem se posicionado contra os direitos humanos de minorias.
A nota surge como reação as medidas legais encabeçadas por Ron DeSantis e do Partido Republicano em proibir o ensino de Teoria Crítica da Raça, o que inclui literatura afro-americana. Para DeSantis, ensinar literatura negra, indígena ou a história da escravidão invoca sentimentos antiamericanos e constrange crianças brancas uma vez que eles não tiveram parte na colonização ou servidão negra.
Nesse contexto, há uma caça as bruxas no estado em que censura livros de autores como Toni Morrison. Enquanto se discute o constrangimento branco, a história negra – que vale se ressaltar também foi uma história de glória e resistência – é deliberadamente apagada.
A violência escravocrata nos Estados Unidos e a tortura policial contra a população negra também desaparece para se exaltar “o país mais livre do mundo” que abriga a maior população carcerária do mundo. População essa que é “acidentalmente” negra e masculina.
Mas qual a relação entre as agressões contra Vini Jr. no estádio espanhol e a Flórida?
A semelhança é que esses são exemplos da ascensão da extrema-direita e os seus discursos que questionam a humanidade dos negros, indígenas, asiáticos, latino-americanos racializados, árabes, entre outros grupos. Enquanto na Florida salientam o sofrimento da criança branca nas discussões sobre racismo, a criança negra é tida como responsável por lutar contra o racismo sozinha, como se fosse um atributo natural.
Similar desumanização ocorre quando Vini Jr. escuta insultos que tentam invalidar a sua humanidade no sentido biológico e como resposta Javier Tebas se postula como vítima de um aparato institucional que pouco pode fazer contra os torcedores. Javier também se apresenta como vítima da indisciplina e falta de compreensão do jogador. Vini Jr. não comparece às reuniões para que pudesse melhor entender o seu lado, mesmo que Tebas coincidentemente vote em partidos pró-racismo.
O que não se pode perder de vista é que a supremacia racial, apoiada pela extrema-direita global, se baseia num sistema econômico-político que depende de hierarquias e da ficção de superioridade e inferioridade social e étnico-racial para que a exploração possa se impor.
A escravidão estabeleceu a narrativa de que negros e indígenas eram seres sem almas e inferiores e, portanto, sujeitos a exploração. DeSantis se preocupa com o sentimento antiamericano e a extrema-direita espanhola sonha em ter acesso aos privilégios do imperialismo hoje exercido pelos Estados Unidos, mas antes compartilhado com Portugal durante a colonização.
O desespero da supremacia branca é que se possa ver na educação, nos esportes, nas artes e nas ciências a igualdade do Outro. Por isso, lutar contra o racismo é também opor estruturas que celebram a desigualdade.