Em algum tempo, no passado distante, em Mileto, na antiga Turquia, tentou-se explicar o universo com a chamada TEORIA DO TUDO, com a qual se envolveram os filósofos pré-socráticos, da escola jônica de Tales. Cada um desses filósofos foi pioneiro em buscar uma Teoria que eles a denominaram do TUDO, porque cada um deles propôs um elemento que era a explicação principal e elemento material, fundamento da natureza.
Tales defendeu a água; Anaximandro, com o ilimitado, ou seja, uma substância abstrata de onde tudo vem e pra onde tudo vai. Anaxímenes, com o ar e Heráclito, com o fogo. Essa preocupação desses primeiros filósofos – os pré-socráticos -, como já vimos, vem de Mileto na Turquia.
O que a física chama de simultaneidade não é uma simples coincidência. Hoje, o que acontece, chamamos concomitância. É o que acontece em locais diferentes (não necessariamente próximos). Um movimento que, considerado concomitante hoje, não era naqueles tempos. Se levantamos os nomes de Sidarta, Confúcio, e aquilo que a filosofia buscava, teria algum fator comum entre essas grandes regiões do planeta?!
Evocando a ficção, foi o que o escritor Gore Vidal explorou na sua obra Criação. O embaixador da corte de Xerxes, que é Ciro Espítama, sai de viagem por aquele momento, encontrando nossos três personagens, os gregos, Sidarte e Confúcio. Seu interesse era sobre a os fundamentos da UNIDADE.
Ciro é um zoroatrista do mundo persa. Isso se reveste de importância por que temos que olhar o nascimento da filosofia nessas grandes áreas motivadas por questões diferenciadas. No entanto, há que se lembrar que quando damos uma ordenação temporal de simultaneidade, isso não aconteceu necessariamente por razões que sejam objetivas. Tem-se que considerar também a diferença existente entre aquela forma de pensar no mundo pré-socrático e a filosofia da Índia e da China, porque no mundo chinês e Indiano trata-se mais de uma percepção sapiencial.
(GLESISER/CORTELLA, 2022) O que encontramos nas obras de Confúcio e Sidarta são muito mais preceitos para se viver numa sociedade que se entende já estável, se entende já estruturada, em que não há uma disputa muito excessiva de poder. É necessário lembrar que China e Índia são territórios muito vastos e, portanto, o que é externo, aquilo que até introduzirá a novidade não tem uma presença assim tão grande.
O contato de China e Índia será mais aproximado a partir daquilo que, mais tarde, Alexandre o Grande, conseguirá com uma parte da expansão de seu domínio. E, portanto, ele não reflete esse momento. E entre essas diferentes civilizações, essas pessoas viajavam e, necessariamente trocavam ideias. A movimentação terrestre facilitou e permitiu a troca de ideias. Mas não podemos ignorar que essas sociedades tinham estruturas muito diferentes, da mesma forma que a natureza de seus questionamentos.
Se a tendência dos povos era unir, no Mediterrâneo, na Grécia Antiga, teria que ser assim porque havia grande interesse na dinâmica da troca comercial e cultural. É importante observar que quando se convive com o diferente, a noção daquilo que é o permanente e daquilo que é mutável, daquilo que é o transitório e daquilo que é o perene, ganha dimensão mais forte.
Quando nos defrontarmos com o que é diverso, a noção de identidade terá que vir à tona e, ao mesmo tempo, a possibilidade da acolhida, da mudança expressa na própria diversidade. Espaço que se abre para a discussão moderna em torno da questão do igual e do diferente e a necessidade de convivência harmoniosa entre os desiguais. Vejam que é um debate que se arrasta ao longo dos séculos e milênios e que se estenderá. Legado dos pré-socráticos.
Se estamos falando de pensamento sintético, sua característica principal é o modo de explicação simples da mitologia – explicação sintética. Ao contrário, o pensamento filosófico virá a ser analítico.
No primeiro, nos colocamos diante de uma sequência de fatos simples que explicam, nos fazem entender com facilidade. Em lugar de uma cosmogonia estruturada, temos uma cosmogonia mítica, simples e suficiente. Já não basta mais um conhecimento que investigue apenas de onde vem o mundo: É preciso saber como ele funciona.
Na tradição anterior, pré-arcaica, se diria que a principal questão era a de onde teria vindo o mundo, ao mesmo tempo em que aparece também a preocupação de natureza prática em como o mundo funcionava. Mais adiante, num momento posterior ao dos pré-socráticos, aparece a preocupação com a política, a virtude e a ética. Como é que convivemos juntos? Quem está certo? Daí a Antropologia vem à tona.Todo o pensamento platônico-socrático é de natureza antropológica. É sobre o humano.
Platão diria que inclui uma preocupação mais metafísica: tem toda sua alegoria da Caverna, sua teoria das formas eternas e perfeitas, e a ideia de que a verdade existe apenas na mente. E foi ele também, Platão, que concebeu um modelo de Cosmos usando os famosos cinco sólidos platônicos. Em seu livro Timeus, ele propõe toda uma cosmologia e seu famoso demiurgo, o Deus arquiteto.
Sobre se a essência das coisas – o que muda ou o que permanece -, estamos nos colocando diante de dois filósofos pré-socráticos, repetindo. Vejamos que para Heráclito, a essência é a própria mudança, porque notamos isso no nosso cotidiano; no entanto, para Parmênides, o essencial é o que não muda. Afinal, o essencial é o que muda ou o que não muda? Essas posturas trarão reflexos políticos em relação àquilo que será mais tarde uma aristocracia, que é uma invenção da “burguesia” da época, dos comerciantes que também querem ter acesso ao poder.
E porque a aristocracia venceu, claro, Heráclito sai de cena e Parmênides sai vitorioso. Não porque ele estivesse filiado ao movimento da aristocracia, mas porque suas ideias são mais adequadas para a partilha do poder naquele momento. Diríamos que, com Parmênides, a filosofia desceu à terra. Mas efetivamente foi com Sócrates que houve a passagem da mitologia, de uma explicação, sobrenatural do porquê, das coisas, para uma explicação mais natural de como as coisas funcionam.
(GLESISER/CORTELLA, 2022) Essa transição apresenta um aspecto utilitário extremamente importante quando temos uma cultura interessada no expansionismo comercial, quando as pessoas precisam viajar, navegar, se posicionar na superfície do planeta de uma forma mais eficiente.
Entram em cena o deus Hélio que transportava o sol do leste ao oeste todos os dias na sua carruagem de fogo, agora Anaximandro tem aquele modelo das rodas de biga, que circundavam a Terra que ficava no centro. As rodas tinham um aro com fogo dentro, e o sol era um furo nessa roda, de onde vinha sua luz. O universo passa a ser um mecanismo, como se fosse um relógio, e vemos aqui a transição de um universo mítico para um universo mecânico, absolutamente essencial para o desenvolvimento da ciência mais tarde.
Quando evocadas, as concepções de Tales, Anaxímenes, Anaximandro, Zenão, elas vão introduzir um pouco do que chamamos “racionalidade” ou de “epistéme”, que é posterior ao momento exclusivamente mítico, de uma concepção pré-socrática do mundo, propriamente falando. Algo que ultrapasse a mera opinião é o que não ancora a explicação do mundo apenas no mito. O mito não é de todo descartado. Seguiremos com o mito, inclusive até Sócrates. Aos poucos, o mito vai perdendo a sua hegemonia.
Não é sem fundamento que Tales seja conhecido como o “pai fundador”. Mas que a natureza de sua ação seja extremamente prática. Aparece uma preocupação com a TÉCNICA! No âmbito da técnica, Prometeu será o mito mais relevante nesse momento. Embora já existisse como forma, passa a ter uma predominância como explicação, porque é a própria possibilidade de capturar o fogo e, portanto, ter o poder dos deuses.