Delação tem potencial para arrastar sistema financeiro e o judiciário carioca para dentro da Lava Jato
Uma eventual, e provável, delação premiada Eike Batista pode ser recusada no âmbito do Ministério Público Federal e pelo juiz da 7ª Vara Federal do Rio, Marcelo Bretas, que atua na Operação Eficiência, caso o empresário omita o envolvimento do sistema financeiro, incluindo aí a autarquia reguladora – a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) –, e personagens do judiciário carioca nos recentes escândalos de corrupção.
Hoje é de conhecimento de todos que o petróleo anunciado por Eike Batista, o famoso trilhão de dólares em petróleo, não existia (menos de 0,0001% foram extraídos – ou seja, na prática nada) e mais do que isso, cartas da certificadora D&M – uma respeitada certificadora internacional de petróleo – divulgadas recentemente mostram que não só ele sabia que o petróleo não existia como adulterou relatórios desta certificadora e assim produziu uma falsa certificação de reservas de 11 bilhões de barris recuperáveis.

Este falso documento teve o condão de atrair investidores e credores a aportarem recursos nas empresas do grupo. Foi tudo um enorme estelionato, arquitetado com o intuito de roubar recursos de credores e investidores. Quase tudo no grupo era mentira, como, por exemplo, o contrato da PUT, em que Eike se comprometia a aportar US$ 1 bilhão na petroleira, caso ela precisasse de recursos.
A jornalista Roberta Paduan, da EXAME, em matéria intitulada “Um Blefe Bilionário de Eike Batista”, esclareceu que o contrato sequer havia sido assinado e foi falsificado 8 meses após o fato relevante que o anunciou. Este evento rendeu notícia crime, do MPF de São Paulo, contra o ex-ministro Pedro Malan, a ex-ministra do STF Ellen Gracie e Rodolpho Tourinho, por cumplicidade na falsificação, que teria incluído uma cláusula para exonerar Eike de honrar o compromisso. A declaração de comercialidade de campos de petróleo que ele já sabia inviáveis foi outro exemplo de manobra.
Estes fatos visavam atrair investidores interessados em comprar as ações da companhia petrolífera e conexas, como a OSX, que fornecia as plataformas para a empresa. Todos acreditavam que a empresa de Eike tinha muito petróleo, enquanto aqueles que sabiam que não havia petróleo algum, vendiam, secretamente, as ações, normalmente através de laranjas.
CVM METIDA ATÉ O PESCOÇO
Este grande estelionato não seria possível sem a omissão da CVM, que, na condição de autarquia fiscalizadora, tinha obrigação de fazer cumprir a sua legislação e, ao se omitir, avalizou cada um dos engodos de Eike Batista e sua quadrilha. Cabe aqui lembrar que a diretoria da CVM era composta por membros indicados pelo então ministro da fazenda, Guido Mantega, que recebeu propina de Eike Batista, segundo o MPF, e por isso acabou preso na 34ª fase da Lava Jato. Portanto, é por essas e outras razões que uma eventual deleção de Eike não pode ser aceita sem que ele entregue aqueles que foram seus eventuais cúmplices no mercado financeiro.
Além da omissão da CVM, os crimes de Eike Batista contra o sistema financeiro nacional não prosperariam se não fosse a cumplicidade da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), conforme notícia crime protocolada pelo procurador Osório Barbosa Sobrinho. De fato a Bovespa descumpriu integralmente a instrução CVM 168 (mais uma vez com a omissão da CVM) cujos procedimentos a obrigariam a identificar o vendedor das ações, enquanto o empresário vendia secretamente suas ações, ao passo que, pela internet, incentivava o público a comprar, justamente para gerar demanda para os papéis que ele estava vendendo.
A cumplicidade da Bovespa abrange diversos outros pontos segundo a notícia-crime, como, por exemplo, emitir ações falsas. Sim, a Bovespa no auge da orgia criminosa contra investidores das empresas X, permitiu que criminosos vendessem ações sem possuí-las. É isso mesmo que você está lendo! Como os criminosos sabiam que o petróleo prometido não existia, sabiam que as ações iriam despencar a quase zero quando os investidores soubessem da verdade. Então eles ganhavam dinheiro vendendo ações e recomprando mais barato. Como assim? Simplesmente vendiam ações sem sequer tê-las depois as recompravam, e vendiam novamente, e assim sucessivamente. Na prática estavam ganhando dinheiro com a desvalorização sem sequer ter a posse das ações, vendendo papéis que não existiam.
Tudo isso com o beneplácito da Bovespa, que na prática atuava como emissora de ações falsas. A apuração desses fatos listados na notícia crime do procurador Osório, contra a Bovespa e seu presidente, Edemir Pinto, estão, muito estranhamente, paradas com o procurador Anderson Vagner, do MPF-SP.
Uma delação premiada de Eike, não pode, de forma alguma, excluir os pecados da Bovespa.
Nossa única bolsa de valores precisa, urgentemente, passar por um processo de moralização. Sem um pregão com ambiente honesto de negociação, que defenda a lisura e transparência nos negócios, não será possível atrair investimentos que levem a uma pujante retomada do crescimento.
ESQUEMA BANCÁRIO

O banco JP Morgan foi um dos que notoriamente e sabidamente, forneceu laranja para os criminosos do grupo X negociarem ilegalmente ações. Não só forneciam laranja como cometiam crime de “insider trading” (negociar ações com informações privilegiadas) manipulação de mercado e lavava o dinheiro do crime. Essa atuação criminosa ficou muito clara em matéria da jornalista Maria Luíza Filgueiras, bem como no livro “Tudo ou Nada”, da jornalista Malu Gaspar.
Estranhamente, ou melhor, nada estranho, foi o fato do fundo ATACAMA, deste banco, ser o que mais lucrou com a queda das ações da OGX. O “curioso” é que a CVM está há anos com processo aberto investigando a atuação criminosa do JP Morgan, mas, aparentemente, engavetado. Na esfera criminal, as investigações sobre o JP Morgan estão paradas no MPF de São Paulo e o caro leitor não vai se surpreender ao ler o nome do procurador que está com o caso: Anderson Vagner! Sim, o mesmo que não dá prosseguimento às denúncias contra a Bovespa. É pouco suspeito isso ou não?
ITAÚ NA JOGADA
As vendas ilegais de ações de Eike Batista, feitas entre 24 de maio e 13 de junho de 2013, foram todas feitas pelo banco ITAÚ que, de forma suspeita, deixou de cumprir as exigências legais da instrução 168 da CVM, agindo como um cúmplice. E “coincidentemente” o fundo Nascar do Banco Itaú tinha à época metade do seu patrimônio apostando na queda das ações da OGX. Quem sabe o risco dessas operações sabe que isto não pode ser coincidência, é um início mais do que evidente de que o banco sabia que o petróleo não existia e estaria criminosamente lesando os investidores. Coincidência das coincidências: Pedro Malan era, simultaneamente, conselheiro do banco Itaú e da OGX!
Diversas outras instituições financeiras poderão ser delatadas por Eike, entre elas a XP Corretora e o banco Credit Suisse. A XP já está citada na notícia crime que está com, adivinhem, procurador Anderson Vagner! O Credit Suisse foi o banco coordenador da abertura de capital da OGX. Esteve envolvido em diversos episódios suspeitos, um deles, inclusive, acabou com um vergonhoso “termo de compromisso” da CVM, em que, ao invés de representar contra ambos no MPF, por crime contra o sistema financeiro, a CVM fez um acordo com Eike e José Olympio, presidente do Credit. Um pagou multa de R$ 100 mil outro de R$ 50 mil e o caso foi enterrado. Em tempo: a manipulação teria rendido R$ 830 milhões a mais para Eike e mais de R$ 100 milhões ao Credit e sua diretoria, em apenas um único dia.
PODER JUDICIÁRIO
Mas quem deve estar tremendo mais com uma possível delação premiada do Eike são alguns membros do judiciário carioca. O que Eike andou conseguindo na justiça carioca é mais do que suspeito. No caso da recuperação judicial da petroleira OGX, por exemplo, quem ficou inadimplente foi uma empresa austríaca, a OGX Áustria GMBH. Esta era a empresa responsável pelos títulos emitidos e pelo seu resgate. Foi ela que inadimpliu, portanto deveria pedir a proteção na Áustria, não no Brasil. O inédito e esdrúxulo fato do judiciário carioca ter aceitado a recuperação judicial de uma empresa austríaca já causa espécie, mas os desdobramentos foram ainda mais estranhos, como, inacreditavelmente, exonerar Eike da obrigação de injetar US$ 1 bilhão via PUT, aceitar as manobras entre as diferentes classes de credores a fim de beneficiá-lo.
A procuradora Vania Lúcia Borsotto Machado Monteiro se manifestou a época nas seguintes palavras: “diante da constatação das diversas ilegalidades contidas no plano de recuperação… (deverá) ser apresentado, pelas agravadas, novo plano de recuperação a ser elaborado de acordo com as normas legais”.
A despeito de todas as manifestações contrárias da promotoria estadual, apontando um sem número de vícios e ilegalidades, tudo foi em frente exatamente conforme os interesses de Eike.
Já na ação civil pública que acionistas minoritários moveram contra Eike Batista da Silva, buscando reparação pelo que lhes foi roubado pelo réu no mercado de capitais, a decisão de primeira instância tomada pelo juiz Fernando Viana, da 7ª Vara empresarial, extinguindo o processo, foi suspeitíssima. O juiz extinguiu o processo contra Eike baseando-se na doutrina da jurista Ada Pelegrini Grinover. Ocorre que, procurada pelos próprios sócios minoritários, a jurista indignou-se, afirmando que sua doutrina prega exatamente o contrário do que o juiz alega. Ela emitiu, gratuitamente, um parecer demonstrando o crasso erro do juiz. Esse parecer foi anexado ao recurso. Parece um caso em que só há duas alternativas: ou se trata de corrupção ou de uma decisão incompetente, que nem mesmo doutrina sabe interpretar.
Cabe lembrar que este juiz é também o responsável pela recuperação judicial da OI, que, por exemplo, de forma igualmente estranha, deixou de afastar Eurico Telles, réu em ações penais no RS, da diretoria jurídica da empresa.
Enfim, o rol de delações de Eike deve ser bem amplo, mas em hipótese alguma deve se restringir ao meio político, a moralização da sociedade brasileira e a retomada do crescimento econômico passam, necessariamente, pela moralização do judiciário e do sistema financeiro.