O Banco Central (BC) do Brasil concedeu na terça-feira (30) autorizações para permitir a realização de transferências bancárias pelo aplicativo WhatsApp.
A empresa Facebook Pagamentos do Brasil foi aprovada como um “iniciador de pagamentos”, enquanto Visa e Mastercard receberam autorizações para dois “arranjos de pagamento” abertos, como transferências e depósitos. O WhatsApp também fará parte do arranjo, que tornará possíveis as transferências pelo aplicativo de mensagens, segundo publicou o G1.
Mas qual seria o grau de segurança desse tipo de transação pelo aplicativo, tendo em vista a polêmica recente em torno da política de privacidade do WhatsApp?
Para saber mais sobre o assunto, a Sputnik Brasil conversou com o especialista Claudio Miceli de Farias, professor do Instituto Tércio Pacitti (NCE) e do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação (PESC/COPPE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele começou respondendo sobre o nível de segurança das transações financeiras através do Whatsapp autorizadas pelo BC.
“De certa forma, essa é uma operação muito parecida com o que a gente faz com o cartão de crédito. Se você considera que o WhatsApp, por exemplo, tem criptografia fim a fim entre as mensagens, então teoricamente ao você permitir a transação vai estar criando uma chave entre comprador e vendedor. Isso seria uma forma de você identificar essa transação através de um modelo criptográfico”, explicou o especialista.
Segundo Farias, o processo não é muito diferente do que já existe com o cartão de crédito, só que nele a chave está embutida dentro do próprio cartão, dentro do hardware, enquanto a transação por Whatsapp vai ser realizada em nível de software.
“Eu tenho preocupações em relação a fraudes, sabemos que já existe spam dentro do WhatsApp, pessoas que vão pegar seu número de telefone e vão se fazer passar por você. Tenho algumas preocupações relacionadas, não ao mecanismo de compra e venda, mais a questões relacionadas a phishing, manipulações do próprio software do app, de invasão. […] Eu tenho muitas reticências em relação a isso, mas eu naturalmente tenho reticências a qualquer um desses softwares”, declarou o professor da área de novas tecnologias.
Política de privacidade
Para Farias, a política de privacidade do aplicativo é um pouco complicada, porque há várias críticas duras sobre o Facebook — dono do Whatsapp — poder ter acesso ao uso que as pessoas fazem do aplicativo de mensagens. “Imagina uma empresa cujos negócios são redes sociais, cuja principal fonte de renda é a propaganda, saber o que você deixa de comprar ou o que você deixa de vender?”, se pergunta o especialista.
“Do ponto de vista do funcionamento, o sistema é muito parecido com o PicPay [sistema de pagamentos em funcionamento no Brasil através de um aplicativo de celular]. Mas do ponto de vista de você deixar isso na mão de uma empresa é muito complicado. Mas também se o Facebook lançasse um cartão de crédito, ele teria acesso ao mesmo tipo de informação”, avaliou o professor do NCE.
Farias adverte que nos casos de Apple Pay e Google Pay as empresas também têm acesso aos dados de compra dos usuários, porque “é isso que elas querem”.
“Elas não estão interessadas exatamente na compra ou na taxa do cartão, mas no que você compra ou deixa de comprar, porque isso é informação de propaganda, isso é importante para elas. É complicado essa questão da privacidade, é uma questão que a gente vai ter que tomar muito cuidado agora neste começo de século. Não sei exatamente como isso pode ser resolvido, tem muita gente estudando, muita gente boa trabalhando nisso e esses problemas são um pouco graves para serem tratados”, lembrou o especialista.
Outros aplicativos
Perguntado se outras empresas e seus aplicativos teriam condições tecnológicas de fazer o mesmo que o Whatsapp, Farias disse acreditar que em breve pode acontecer, já que se vê o surgimento de muitas fintechs, outros modelos de pagamento, modelos alternativos de cartão de crédito, e isso não só no Brasil mas pelo mundo a fora.
Fintech é um termo que surgiu da união das palavras do inglês financial (financeiro) e technology (tecnologia). As fintechs são majoritariamente startups que trabalham para inovar e otimizar serviços do sistema financeiro. Essas empresas possuem custos operacionais muito menores comparadas às instituições tradicionais do setor.
“Vimos o surgimento do Nubank [uma das fintechs que surgiram no Brasil], com novo modelo de contratação, a gente tá vendo esse do WhatsApp, que pode parecer muito inovador aqui no Ocidente, mas a China já tinha o Wechat — se não me engano é o Wechat, eu não tenho certeza. Não é inovador, mas aqui no Brasil está chegando muito forte. [O sistema] Pode se estender a outros aplicativos que tenha esse tipo de funcionalidade, porque é interessante. A própria empresa pode controlar os pagamentos de dentro do próprio aplicativo, talvez até associado a um cartão de crédito”, avaliou o analista.
Já em relação à diferença entre o PIX — sistema criado pelo BC no final do ano passado para transferências entre contas bancárias e sem custo — e essa funcionalidade do Whatsapp, é que “o primeiro está associado a um banco, é uma identidade única do usuário, enquanto o segundo está associado a uma ID no aplicativo”, explicou Farias.
“A maior diferença é a facilidade que o usuário vai ter. O WhatsApp é um programa que todos usam em seu dia a dia… O usuário vai associar um cartão de crédito ao WhatsApp e vai conseguir realizar transações mediadas pelo aplicativo. É mais uma questão de quem tá gerenciando realmente os processos financeiros. O PIX funciona para transferências de uma série de outras questões que provavelmente o WhatsApp não deve fazer no primeiro momento, e a questão vai ser quem controla esse jogo”, completou.
Segundo o professor, essas novas formas de se gerenciar dinheiro, de trocar valores, está acontecendo para concorrer com os bancos, sendo que para muita gente essas fintechs são o primeiro contato com o mercado financeiro, com o mercado bancário de verdade.
Muita gente não tinha conta em banco até ter um cartão Nubank, muita gente pode fazer sua primeira transação digital pelo WhatsApp, porque tem acesso. Muitas pessoas não tem nenhum computador, mas tem um celular e, nesse aspecto, o WhatsApp pode ser uma porta. É uma jogada muito bem orquestrada, muito bem feita, achei até que demorou bastante, pensei que teríamos esse pagamento via celular mais cedo. O PicPay tem sido muito popularizado, mas por causa da pandemia deu uma freada, e quando ela acabar deve haver uma explosão de uso”, finalizou o especialista.
As informações são da Sputnik Brasil.