Na mesma semana em que o novo governo anuncia sua intenção de retomar a ideia de incentivo ao carro popular, um importante capitão de indústria do cenário nacional – CEO da Siderúrgica Gerdau, muito corretamente, afirma em entrevista: “o setor industrial está perdendo relevância no Brasil”.
Vigora hoje um modelo de plataforma de valorização financeira de ativos de alta liquidez e fluidez garantida para o exterior, com juros fartos no giro da dívida pública federal, mediante um poder público contido na sua nobre missão de investir pesado na infraestrutura dos setores chaves de nossa economia. Nesse ambiente, se misturam tragicamente prosperidade e barbárie.
Num passado não tão distante, embora de forma retardatária, construímos um parque industrial diversificado e moderno e, ao seu lado, um vasto proletariado, tanto ativo quanto inativo. O processo de substituição de importações que turbinou a nossa industrialização foi marcado pela presença de uma tripé formado por um Estado muito ativo (BNDES, Petrobrás, Eletrobrás), capitais de origem nacional e capitais estrangeiros (como é o caso específico de nossa indústria automobilística e de eletrodomésticos).
Com isso se constituiu um forte mercado interno, tanto de bens de capital (máquinas e equipamentos), quanto de bens de consumo popular, ou para os estratos médios. Isso exigia também um ensino superior, pós-graduação e pesquisa de ponta nas universidades.
Chegando a ser a oitava economia do planeta, o Brasil se tornaria potência industrial média garantindo certa independência do mercado internacional, especialmente na manufatura de bens e nos itens de consumo popular para um dos maiores mercados do planeta, hoje somando uma população de 215 milhões de habitantes.
Contudo, no início dos anos oitenta, a desaceleração cíclica capitalista, a crise do petróleo e a crise da dívida externa puseram em teste este experimento virtuoso. Nos anos subsequentes, a coalizão desenvolvimentista foi paulatinamente se transformando numa coalizão rentista
Economistas brasileiros de formação liberal, vindos de instituições do exterior, passaram a dirigir o Estado e se encarregaram de libertar as forças produtivas dos freios impostos pela mão pesada do Estado burocrático e ineficiente (na visão deles) transferindo este poder para o setor privado.
Nessa onda, as barreiras comerciais e as políticas de proteção (chutando a escada, nas palavras do coreano Chang), que consolidaram nossa indústria foram destruídas. Passou a vigorar a mão invisível do irracional deus mercado. Com isso nossa indústria emagreceu e hoje representa apenas 11% do PIB.
A prioridade dos governos de diferentes matizes ideológicas passou a ser a depredação da natureza (extrativismo), para atrair investimentos produtivos de valorização do capital nacional e internacional. Com isso, imenso contingente de trabalhadores foram lançados no desemprego e na miséria quase absoluta, constituindo bolsões de jovens desesperançados nas periferias das grandes cidades.
Extrativismo e rentismo garantidos pelo Fundo Público são a face dramática do tempo presente. Sair dessa camisa de força vai exigir muita capacidade de reanimar a brasilidade dentro de nós. Avante!
Sobre o autor: Ranulfo Vidigal é economista, consultor e doutorando pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.