Muitas religiões têm a reencarnação como um dos pilares. Diferente da ressurreição, essa crença significa voltar à vida em um corpo diferente. Eis que o Honda Civic que era vendido no Brasil até 2021 acaba de passar por processo parecido. Nessa nova jornada, o corpo é outro. Saem a carroceria sedã e o desenho ousado, entram o corpanzil de um SUV e as linhas mais conservadoras. O batismo também é outro: ZR-V.
Na sopa de letrinhas da Honda, o SUV do Civic chega para ocupar a lacuna entre HR-V e CR-V, esse último prestes a chegar em nova geração. Foi criado da costela do Civic 11, compartilhando com o sedã a plataforma e boa parte da suspensão dianteira. Mas também herda do CR-V a refinada suspensão traseira multilink, além de discos e pastilhas de freio do eixo da frente. O teto fixado às laterais com soldas a laser vale uma menção honrosa pela sofisticação.
Para deixar as coisas ainda mais confusas, na América do Norte, o ZR-V se chama HR-V e serve como porta de entrada para os utilitários esportivos na marca japonesa.
Por aqui, HR-V e ZR-V vão conviver e atender diferentes clientes. “Entendemos que esse posicionamento vai atender quem não migrou do antigo Civic para o City ou para a nova geração híbrida”, disse Diego Fernandes, diretor comercial da Honda.
Nessa vida nova, o ZR-V tem certidão de nascimento mexicana e apenas uma versão, a topo de linha Touring, com etiqueta de preço fixada em R$ 214.500, bem no centro de um disputadíssimo segmento de SUVs médios. Os modelos com nível semelhante de equipamentos custam de R$ 175 mil a R$ 230 mil. Tão diversa quanto a faixa de preços é a gama de motorizações. Há modelos com motor aspirado, turbo, híbridos e elétricos.
Motor e consumo
Mas não espere um motor turbinado debaixo do capô. O ZR-V só sai de fábrica com o 2.0 aspirado de quatro cilindros. Adaptado para a gasolina brasileira, rende 161 cv e 19,1 kgfm. A semelhança com o antigo Civic até parece óbvia, mas a Honda garante que esse motor tem origem mais nobre do que o do antigo sedã nacional. Além da potência 11 cv mais alta, esse propulsor é da mesma linhagem do atual 1.5 e do 2.0 turbo do Type R. Tem duplo comando variável de válvulas, mas injeção indireta.
Como de praxe, a Honda não divulgou números de desempenho, mas o ZR-V não deve fazer feio diante de rivais como Toyota Corolla Cross, Ford Territory e Caoa Chery Tiggo 8. O que é público são os números de consumo. E novamente o SUV mexicano ficou na média do segmento. Segundo o Inmetro, faz 10,2 km/l na cidade e 12,1 km/l na estrada, praticamente empatado com o Jeep Compass 1.3 turbo.

Como anda?
Durante o test-drive no evento de lançamento, mesclando trechos urbanos e rodoviários, o computador de bordo registrou exatamente a média dessas marcas, na casa de 11 km/l. Mais do que aferir o desempenho, foi possível entender exatamente porque o ZR-V é conhecido como o SUV do Civic. Começando pela posição de dirigir mais baixa do que em outros utilitários esportivos. Vai agradar em cheio quem tinha um sedã e decidiu migrar para um carro mais “altinho” a contragosto.
O acerto de suspensão menos duro contribui para uma tocada bem mais confortável e menos esportiva, característica bem típica dos lançamentos recentes da Honda. Outra marca registrada da fabricante japonesa são as rodas relativamente pequenas (aro 17) calçadas com pneus de perfil alto (70). Tudo em nome do conforto.
Se decidir acelerar mais forte, o motorista também vai notar o giro do motor subir conforme o carro ganha velocidade. Esse é o único momento em que o ruído pode incomodar quem está a bordo. Nas demais ocasiões, o sossego é garantido. Se quiser deixar a vida ainda mais tranquila, o condutor pode acionar os auxílios à direção. A frenagem automática de emergência está sempre ativa, mas o controlador de velocidade adaptativo com função de parada e a correção no volante em saídas de faixa estão à disposição e funcionam muito bem, obrigado.
Em termos de conforto, muitos acertos, mas alguns deslizes. Ar-condicionado digital de duas zonas, banco do motorista com ajustes elétricos, central multimídia de 9 polegadas, faróis de LED com acendimento automático, sensor de chuva, carregador por indução deixam o ZR-V posicionado perto das opções topo de linha de rivais como VW Taos, Jeep Compass e da configuração única do Ford Territory.
Espaço
Mas bem que o teto solar poderia ser maior. E os passageiros do banco de trás terão tratamento diferenciado – infelizmente para pior. Não há saídas de ventilação no console, apoio de braço na parte central do encosto ou controle por um toque nos vidros elétricos. Os painéis de porta também têm acabamento mais simples, composto basicamente de plástico duro. Com 2,66 m de entre-eixos, ao menos o espaço é bastante generoso.
Aliás, na comparação com o HR-V, o novo SUV sobra. Por mais que a aparência sugira um carro menor, o ZR-V tem 18 cm extras no comprimento, 5 cm a mais no entre-eixos e na largura e 2 cm adicionais na altura. O porta-malas está aquém da média. Mas os 389 litros superam em 35 litros o compartimento do irmão menor.
Visual
O desenho mais maduro deve agradar os clientes que já passaram dos 40. Ainda não faço parte desta faixa, mas os traços limpos, com poucos vincos, me agradaram. A dianteira tem capô comprido e baixo e grade hexagonal com elementos sextavados e acabamento de plástico preto brilhante.
Na traseira, queda do teto mais acentuada e lanternas que invadem a tampa do porta-malas são bem diferentes do visual cupê do HR-V. E para evitar maiores comparações e separar os dois efetivamente, R$ 20 mil de diferença na tabela de preços entre o HR-V Touring turbo e o ZR-V. Em breve vamos descobrir se o investimento extra vale a pena.
Conclusão
O ZR-V pode ser um carro novo, mas o mantra da força da marca Honda será um velho e conhecido argumento de compra. O objetivo é emplacar mil unidades por mês. Se cumprir o objetivo, vai brigar com Taos, H6 e Tiggo 8 pelo terceiro lugar do segmento.
A diferença é que dessa vez, ao contrário do Civic, referência no segmento em desempenho e dirigibilidade, o ZR-V fica na média na maior parte dos quesitos. Ter renascido em outro corpo vai cobrar o preço e a vida de SUV certamente será mais difícil do que na encarnação anterior.
Ficha técnica
HONDA ZR-V |
Preço: R$ 214.500 |
Motor: Diant., transv., 4 cil. em linha, 2.0, 16V, gasolina |
Potência: 161 cv a 6.500 rpm |
Torque: 19,1 kgfm a 4.200 rpm |
Câmbio: Automático, CVT, tração dianteira |
Direção: Elétrica |
Suspensão: Indep., McPherson (diant.) e multilink (tras.) |
Freios: Discos ventilados (diant.) e sólidos (tras.) |
Pneus: 215/60 R17 |
Tanque: 53 litros |
Porta-malas: 389 litros (fabricante) |
Peso: 1.446 kg |
Multimídia: 9 polegadas, Android Auto com fio e Apple CarPlay sem fio |
DIMENSÕES |
Comprimento: 4,57 metros |
Largura: 1,84 m |
Altura: 1,61 m |
Entre-eixos: 2,66 m |