A poesia de Waldo Motta se configura sobretudo dentro do que ele mesmo caracterizou como “incômoda”. Contudo, a sua produção mais recente vem mostrar, além do “enjoo” (termo que traduz várias reações à produção do poeta) provocado pela sujidade dos temas, pelo escatológico em excesso, pelo homoerotismo frequente, condutor de certas perversidades religiosas e mundanas, além de um certo erotismo sagrado, mas sectário.
Seus poemas são permeados pelo deboche, pelo escracho e pela sardonia mais latente, jogando o poeta, em sua radicalidade maldita, no campo de uma poética que se procura na pesquisa e na forma:
“Eu aprendi a captar Deus através dos paradoxos. Veja bem: para termos uma percepção mais plena de Deus, temos que admitir que ele é também essa beleza. No entanto, ele há de ser, primordialmente, o feio, o não aceito, a merda de onde todas as coisas se engendram” (1997, p. 21). E vai mais além:
“Porque se Deus é a totalidade, aí nós temos que incluir o feio, o horroroso. Eu prefiro a visão de um Deus, que se confunde com a merda, com o cu, com o feio, com o proscrito e com o marginalizado”. (1997, p. 21) Na p. 21, atira: “Waldo Motta chegou para ocupar um espaço vago por aqui: o de grande poeta de inspiração homossexual. E sua obra, descoberta pela Universidade de Campinas, mergulha nos mistérios eróticos da Bíblia e do corpo para desafiar o leitor a entrar num banquete escatológico, tão difícil quanto necessário”.
Tendo vendido livros “de mão em mão” ainda na década de 70, do século passado, foi aos poucos “perdendo o pique”, porque, muitas vezes, pelo tipo de distribuição, se envolveu em algumas situações constrangedoras: “A gente tem de dar explicações simplórias sobre sua vida e trabalho para satisfazer uma curiosidade dos eventuais clientes”. (Motta, 1984) É realmente difícil para um poeta explicar que ninguém pode esperar dele um compromisso explícito ou tácito em relação a preconceitos, tabus, instituições, etc., embora seja este o compromisso maior de Waldo Motta.
Na maioria das vezes, pode mesmo en(o)j(o)ar. Entretanto, o poeta sempre se sentiu muito à vontade para dizer: ‘Eu não vim trazer a paz, mas a guerra” (Motta, 1984), já mostrando um olhar bem oblíquo no seu diálogo com a Bíblia, algo que se consubstanciará em Bundo e outros poemas (1996).
A trajetória do poeta, bastante conhecida no Espírito Santo e, agora, fora dele, tem a cara do que ele mesmo avalia ao dizer, anteriormente a sua chegada ao eixo Rio-São Paulo:
“Desses anos de poesia, o saldo se resume na pedraria inútil que me atiraram, nos rapapés e no azedume que os meus olhos destilam” (Motta, 2002, p.13). Hoje, fala com muita tranquilidade: “Radicalizei” (Motta, 2002, p.12), referindo-se as suas mais recentes pesquisas e projetos (off)sina.
Deliberadamente desbocado, Waldo sempre dá seu recado “sem eufemismos nem panos quentes”, num discurso rasgado e desbocado (e nem por isso menos poético). Terra sem mal (2015), seu último livro, título retrata bem a singular posição do poeta nas letras capixabas e no contexto da literatura brasileira contemporânea.
A esse respeito, a meu ver, em nível de estrutura lírica, de modalidade e da forma, do trabalho no trato com a linguagem, com o aproveitamento do espaço imagístico, do diálogo com textos canônicos, sendo sua poesia anticanônica por excelência, e nos jogos anagrâmicos da cabala, a literatura do “Poeta da Favela do Pé Sujo”, um dos muitos codinomes atribuídos a Motta, é a única forma pela qual o poeta realizaria e catalisaria suas vivências, transformando-se, dessa forma, no meio pelo qual o poeta poderia compreender o mundo.
Não é à toa que já a partir do terceiro livro, O signo da Pele, editado pelo Centro de Cultura Negra do Vale do Cricaré-ES, em 1981, o poeta começou a jogar com as palavras: ”julgo que fazer poesias é fazer jogos de palavras. E isto não é trocadilho” (Motta, 1981). Porém, irá fazê-lo, com palavras que representam o grotesco do cotidiano, o vil, o mesquinho, o sujo da vida:
“Este é um livro de quem escolheu a poesia como arma – um tanto exótica, admito – que, brandindo apenas contra o ‘imprestável dos homens’, tenta reaver o usurpado direito de estar dignamente no mundo, tanto o seu quanto o de pessoas com as quais se depara e convive em sua já atribulada rota existencial” (Motta, 1981):
No meio da noite morro de inanição de amor/ Vou é tentar uma comunicação corpo a corpo/ E a cidade/ Em si imersa/ Que me ignora/ Por onde a cidade adquire/Ar mais metropolitano/O jeito de paralítica/ A denúncia, entretanto./ A cidade de Vitória/ É um estado limítrofe/Entre a província e metrópole/ Condição definitiva […]/ Quero a todo instante/ Desse espontâneo e complicado rito/ De imolação a que chamam vida,/quero p…, cuspir-lhe no rosto nefando.
NO CU DE EXU A LUZ!